terça-feira, 5 de julho de 2016

O QUE É E PRA QUE SERVE O INDICIAMENTO NO INQUÉRITO POLICIAL?

O Inquérito policial é procedimento destinado a reunir os elementos necessários à apuração da prática de uma infração penal e de sua autoria. A autoridade policial deve revestir o inquérito policial de todas as cautelas necessárias, seja no aspecto formal, seja no material, no sentido de evitar falhas e propiciar a segurança jurídica da pessoa investigada. Após a instauração do inquérito policial existem inúmeras diligências podem ser requeridas pela autoridade policial, entre elas, o indiciamento do averiguado. Tal providência tem como principal finalidade tornar público o fato do indivíduo estar sujeito à investigação criminal. A partir desse ato, o averiguado tornar-se oficialmente suspeito de ter cometido uma infração criminal.
A instauração de inquérito para verificação de possíveis infrações penais deve ser cercada de cuidados, para só serem consideradas indiciadas pessoas que tenham realmente contra si indícios de autoria de crime cuja materialidade já deve estar comprovada. Indiciamento é ato de imputar a determinada pessoa a prática de um fato punível (crime ou contravenção) no inquérito policial, bastando para tanto que haja indícios razoáveis da autoria, e não certeza. Representa o resultado concreto da convergência de indícios que apontem determinada pessoa como praticante de ato tido pela legislação penal em vigor como típico, antijurídico e culpável. Os elementos do tipo penal já devem estar, no mínimo, indicados na prova colhida durante o inquérito, para embasar o indiciamento.Trata-se de um rascunho de eventual acusação; de uma declaração do até então mero suspeito como sendo o provável autor do fato infringente da norma penal. Com indiciamento, todas as investigações passam a se concentrar sobre a pessoa do indiciado.
A legislação penal não estabelece regras para a realização do indiciamento do averiguado no inquérito. Citada diligência permanece a critério subjetivo da autoridade policial, colocando o indivíduo em estado de insegurança jurídica em razão de ausência de normas que dêem direção à condução do inquérito policial. Todavia, o indiciamento não é ato arbitrário, ao contrário, para ser levado a efeito, a autoridade deve possuir indícios fortes que garantam a ligação entre o indivíduo e a conduta penal. A autoridade policial não pode escolher entre indiciar ou não o suspeito, preenchidas as condições exigidas por lei deve o infrator ser indiciado. Somente assim o indiciamento do indivíduo não configurará, a princípio, constrangimento ilegal.
Necessariamente, deve ser indiciada apenas a pessoa que tenha contra si indícios de autoria do crime que está sendo objeto de investigação, sob pena de estar sofrendo patente constrangimento ilegal.. Suspeitas, isto é, simples convicção desfavorável a respeito de alguém, ou, leves opiniões subjetivas a respeito do indivíduo, por si sós, não são mais que sombras; não possuem estrutura para dar corpo à prova da autoria. Nada aproveitam para a instrução criminal, apenas importam à simples investigação. Desta forma, devem existir elementos mínimos que indiquem a prática de infração penal por aquele contra quem está sendo instaurado o inquérito. Inexistente, em processo administrativo pendente, elementos indicadores da materialidade delitiva e da autoria, não cabe o indiciamento de plano, devendo primeiramente o suspeito ser ouvido em declarações, sem prejuízo do regular andamento do inquérito policial já instaurado.
O delegado de polícia somente procederá ao indiciamento do investigado após fundamentado despacho nos autos. A portaria nº 18 da Delegacia Geral de Polícia, de 25 de novembro de 1998, dispõe em seu artigo 5º que logo que reúna, no curso das investigações, elementos suficientes acerca da autoria da infração penal, a autoridade policial procederá ao formal indiciamento do suspeito, decidindo, outrossim, em sendo o caso, pela realização da sua identificação pelo processo dactiloscópico.Parágrafo único: o ato aludido neste artigo deverá ser precedido de despacho fundamentado, no qual a autoridade policial pormenorizará, com base nos elementos probatórios objetivos e subjetivos coligidos na investigação, os motivos de sua convicção quanto a autoria delitiva e a classificação infracional atribuída ao fato, bem assim, com relação à identificação referida, acerca da indispensabilidade de sua promoção, com a demonstração de insuficiência de identificação civil, nos termos da Portaria DGP – 18, de 31.1.92. Cumpre ainda esclarecer que o indiciamento inclui a colheita de dados sobre a sua vida pregressa e a identificação datiloscópica se o indiciado estiver presente. Se ausente, o indiciamento se faz de maneira indireta, ou seja, mediante colheita de dados de fontes diversas a que a autoridade possa recorrer.
O indiciamento deve ser fundado em elementos colhidos ao longo do inquérito policial, não podendo resultar da conduta arbitrária e caprichosa por parte da autoridade que o preside, sob pena de estar causando abalo moral obrigando o Estado indenizar o ofendido, independentemente da prova de culpa. Necessário salientar, que caso o indiciamento seja providenciado pela autoridade policial sem a comprovação da materialidade do crime e sem a existência de fortes indícios da autoria da infração penal, tal conduta caracterizaria abuso do poder de indiciar. A Lei nº 4.898, de 9 de Dezembro de 1965, que regulamenta o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa civil e penal, contra as autoridades que, no exercício de suas funções, cometerem abusos, determina em seu artigo 3º, aliena a, que constitui abuso de autoridade qualquer atentado à liberdade de locomoção. É inadmissível a ordem de indiciamento ser determinada sem qualquer fundamentação, pois tal ato revela manifesta ilegalidade contra o investigado.
Na hipótese da autoridade policial formalizar o indiciamento, não havendo elementos mínimos que indiquem a prática de infração penal, poderá o ofendido, alem do intento de apuração da responsabilidade do Estado na esfera civil, impetrar ordem de habeas corpus, com desígnio de inibir o constrangimento ilegal, pois a ordem de indiciamento não se trata de ato arbitrário do delegado de polícia, estando submetida ao controle jurisdicional posterior. Assim, uma vez ausente qualquer fundamento para o formal indiciamento do suspeito, deve o futuro indiciado impetrar habeas corpus perante o órgão competente, requerendo-se, in limine, com fundamento no artigo 648, inciso I do código de processo penal, a concessão do referido writ de habeas corpus em favor do requerente no sentido de sustar a ordem proferida pelo ilustríssimo doutor delegado de polícia, a fim de determinar que o paciente preste somente declarações, evitando-se, deste modo, o indiciamento formal do averiguado.Vale destacar que a concessão da liminar não trará nenhum prejuízo, pois se indeferido o writ, o indiciamento poderá ser ainda realizado posteriormente. Todavia, o contrário não é verdade, pois se não concedida a liminar, restará consumado o prejuízo com o indiciamento do suspeito e, a princípio, de nada adiantará a futura concessão da ordem requerida.
Convém informar, que cotidianamente o Promotor de Justiça, encontrando inúmeras falhas nas investigações policiais, requer o arquivamento do inquérito por ausência de provas para a denúncia, pois não se admitem acusações sem liminar base objetiva, com forma preservadora do status libertatis e do status dignatis do cidadão e também do organismo judiciário, contra o custo e a inutilidade em que essas ações penais redundariam. Se faz de suma importância ressaltar que o indiciamento não é necessário para o ajuizamento da ação penal. Tal entendimento depreende-se da interpretação das normas prevista nos artigos 12 e 27 do código de processo penal. Os referidos dispositivos evidenciam que o inquérito policial não é essencial ao início da ação penal por denúncia ou queixa, porque estas podem estar firmemente instruídas por informações que esclareçam a materialidade e a autoria do delito. Em razão destas normas, conclui-se que o ato de indiciamento que somente pode ser realizado no curso do inquérito policial, também é dispensável e desnecessário. O indiciamento é a imputação a alguém da infração penal que está sendo apurada, no curso do inquérito policial. Inexistente tal procedimento, não se justifica se proceda a indiciamento do denunciado.
Outrossim, considerando os prejuízos que possam advir na esfera jurídica do indivíduo por força de um indiciamento prematuro, entende-se que a medida mais acertada seria no sentido da autoridade policial, ad cautelam, determine que o suspeito preste somente declarações no distrito, e, posteriormente, remeta o inquérito policial relatado para ser submetido ao crivo do Ministério Público, titular da ação penal. E, se desta forma, o representante do Parquet entender que há indícios que o suspeito violou algum dispositivo penal, solicitaria ao juiz de direito que os autos retornassem ao distrito policial de origem para formal indiciamento do indivíduo. Em outras palavras, o indiciamento consiste em um projeto de denúncia, motivo pelo qual a ordem de formal indiciamento do suspeito deverá submeter-se a opinio delicti do Ministério Público, que após receber o inquérito policial relatado deverá requisitar ou não o indiciamento do averiguado.
Com freqüência muitos inquéritos policiais que tiveram seus suspeitos indiciados foram posteriormente arquivados, ou seja, sequer houve denúncia. Porém, tais indivíduos, em razão do indiciamento realizado, tiveram seus nomes e suas características, e o dados relativos à infração penal supostamente praticada, informados aos Institutos de Identificação e Estatística, ou repartições congêneres, cujas informações permanecerão em seus cadastros definitivamente, sem a possibilidade de exclusão. Salienta-se que a partir do indiciamento o indivíduo inaugura o indigitado registro geral criminal, este que só perderá a sua eficácia com a morte do indiciado. A jurisprudência majoritária entende que o simples indiciamento do suspeito realizado no curso do inquérito policial, não configura maus antecedentes, bem como não atenta contra o princípio constitucional da presunção de inocência previsto na Constituição Federal Brasileira. Entretanto, sabemos que o indiciamento é estigmatizante em relação à pessoa investigada. Pois, muitas vezes por força de um simples indiciamento realizado de forma prematura, leviana, sem qualquer fundamentação, especialmente nos casos em que posteriormente o inquérito policial foi arquivado, a pessoa perde o emprego, a credibilidade e a paz.
Cabe aos Poderes Públicos o dever de preservar a dignidade humana das pessoas em geral. Considerando os prejuízos que possam advir na esfera jurídica indivíduo por força de um indiciamento prematuro, a autoridade policial ao indiciar qualquer cidadão, não poderá faze-lo sem base probatória mínima para esse fim, somente após fundamentado despacho nos autos de inquérito, sob pena causar ao indivíduo abalo moral sendo o indiciamento realizado passível de reparação na esfera cível, onde deverá o Estado indenizar o ofendido, independentemente da prova de culpa.
BIBLIOGRAFIA
ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Inquérito policial. São Paulo: Ícone, 1992.
CAPANO, Evandro Fabiani; MARTINS, Eliezer Pereira. Inquérito policial militar. São Paulo: Editora de Direito, 1996.
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, 11. ed. rev. e atual.. São Paulo: Saraiva, 2004.
DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, 2. ed.. São Paulo: Atlas, 2001.
FERREIRA, Aparecido Hernani. Dano moral como conseqüência de indiciamento em inquérito policial. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000.
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal, vol. I, 2. ed.. Campinas: Millennium, 2000.
MEHMERI, Adilson. Inquérito policial: dinâmica. São Paulo: Saraiva, 1992.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal, 13. ed. rev. e atual.. São Paulo: Atlas, 2002.
MOSSIN, Heráclito Antônio. Curso de processo penal, vol. I, 2. ed.. São Paulo: Atlas, 1998.
PITOMBO, Sérgio M. de Moraes. Inquérito policial: novas tendências. Cejup, 1986.
PETRI, Maria José Constantino Petri. Argumentação lingüistica e discurso jurídico, 1.ª ed.. São Paulo: Selinunte, 1994.
QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi de. Prática do inquérito policial, 3. ed. rev. e atual.. São Paulo: Iglu, 1997.
SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária, 4. ed.. Campinas: Millennium, 2002.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, 4ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
SMANIO, Gianpaolo Poggio e outros. Juizado especial criminal: aspectos práticos da lei nº 9.099/95. São Paulo: Atlas, 1996.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, vol. I, 24. ed. rev. e atual.. São Paulo: Saraiva, 2002.


Publicado originalmente em 08/11/2015 por Ricardo Eduardo Guilherme, no sitio http://www.oabsp.org.br/noticias/2005/11/08/3288
Advogado, inscrito na Seccional Paulista da Ordem dos Advogados do Brasil sob o nº 195.868, sócio-proprietário do Escritório de Advocacia “GUILHERME ADVOGADOS ASSOCIADOS”, com sede na Rua Três de Dezembro, 61, sala 25, Centro, São Paulo – SP, Tel.: (11) 6949-3193

Especialista em Direito e Processo Penal

Atuante no Tribunal do Júri da Comarca de Guarulhos

Acadêmico:
Universidade Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP
Mestrando em Processo Penal – Cursando.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Especialista em Direito e Processo Penal – concluído em junho/2.005 (1ª Turma).
Universidade São Judas Tadeu
Bacharel em Ciências Jurídicas - Grau conferido aos 16 de janeiro de 2.002.
Ordem dos Advogados Brasil / Secção São Paulo
Membro da Comissão de Segurança Pública, Membro da Comissão de Política Criminal, Membro da Comissão de Defesa da Advocacia – Núcleo Criminal, Membro da Comissão do Jovem Advogado

Idiomas:
Cursando inglês e italiano.
Contato:
Tel.: (11) 6949-3193 / (11) 9803-5521
e-mail: reguilherme@adv.oabsp.org.br

Nenhum comentário: