sábado, 9 de fevereiro de 2013

POLÍCIA, CENSURA e ENTULHOS AUTORITÁRIOS

Trabalhar na Polícia Federal não é fácil! Além das peculiaridades da função policial federal, existe, para aqueles que buscam realização, bem longe do tripé STATUS-SALÁRIO-ESTABILIDADE, toda a carga de estresse produzida e direcionada para aqueles que OUSAM QUERER MUDAR O MUNDO em nome de um objetivo maior, que se materializaria numa POLÍCIA FEDERAL MODERNA e em CONSONÂNCIA COM OS MELHORES MODELOS DE POLÍCIA DO MUNDO! Na sequência reproduzo artigo sobre o perigo da volta do AUTORITARISMO:


"Presidente, o problema de uma lei assim não é o senhor, nem os que com o senhor governam o País; o problema é o guarda da esquina". O alerta, feito em 13 de dezembro de 1968, ao general Costa e Silva, pelo seu vice Pedro Aleixo, demostrava a preocupação com os riscos de excessos e abusos na interpretação e aplicação do Ato Institucional nº 5.

De nada adiantou a advertência do político mineiro, um dos poucos que ousou discordar do famigerado decreto. Apesar do absurdo jurídico, o AI-5 foi assinado e demarcou uma das épocas mais sombrias da história do País, conhecida como “anos de chumbo”, iniciada com o golpe militar de 1964 e lembrada pela forte censura e repressão política, sindical e cultural. Deu no que deu: alguns guardas da esquina viraram torturadores, outros até se sentiram no direito ou dever de “desaparecer” com militantes subversivos, tudo em nome da lei e da ordem.

O termo “cães de guarda” foi empregado por Serge Halimi, escritor do Le Monde Diplomatique e professor da Universidade de Paris, autor do livro Os novos cães de guarda (Vozes, 1988), um ensaio sobre o poder dos jornalistas e da imprensa, que eram coniventes e servis com o poder político opressor.

A pesquisadora Beatriz Kushnir, doutora em História pela Unicamp, tomou emprestada a expressão no livro “Cães de guarda: jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988” (Boitempo, 2004), para definir aqueles jornalistas que deixaram as redações e se tornaram técnicos da Divisão de Censura de Diversão Pública (DCDP), órgão vinculado ao Departamento de Polícia Federal, bem como alguns policiais federais de carreira, que acumularam o cargo de censor e repórteres, colaborando com a repressão e a censura no pós-1964, dentro de veículos de imprensa, como o “Jornal da Tarde”, do Grupo Folha da Manhã.

Os livros “O que resta da ditadura: a exceção brasileira” (Boitempo, 2010) e “Repressão e resistência: censura a livros na ditadura militar” (Edusp, 2012), para citar apenas mais dois títulos recentes sobre o tema, analisam a herança deixada pelo regime militar na estrutura jurídica, nas instituições e práticas políticas, na cultura e em outras esferas da vida social brasileira e os bastidores dos mecanismos da censura oficial.

Na Polícia Federal, o legado jurídico mais esdrúxulo daquele período foi a Lei nº 4.878/1965 e o Decreto nº 59.310/1966, que a regulamenta, que dispõem sobre o regime jurídico dos policiais civis da União e do Distrito Federal. Ambos foram sancionados pelo general Castello Branco, que assumiu o poder em abril de 1964 e lançou um “pacote de bondades” que incluiu, dentre outras medidas, a suspensão de direitos políticos de cidadãos, cassação de mandatos parlamentares e dissolução de partidos políticos, proibição de greves e uma nova Constituição, em 1967.

Com evidente influência militar, a Lei nº 4.878/65 antecipou a doutrina do AI-5 no âmbito da PF. Além de definir a função policial como fundada na “hierarquia e disciplina”, transcreveu trechos de regulamentos da caserna, em especial os capítulos que tratam dos deveres, transgressões disciplinares e penalidades, que passaram a ser aplicáveis aos policiais federais, embora servidores civis.

Foi o suficiente para que os guardas da esquina e cães de guarda da Polícia Federal – então dirigida por coronéis e generais - passassem a aplicar, a torto e a direito, ao bel prazer de caprichos pessoais, as normas e pareceres – elaborados por eles mesmos – para punir os servidores que se não se enquadrassem nos seus padrões de conduta.

Àquela época, críticas ao regime vigente, atividades políticas e sindicais eram consideradas casos de polícia, literalmente, sujeitos à temida Lei de Segurança Nacional. Os direitos às atividades políticas e sindicais dos policiais federais só foram assegurados com o advento da Constituição de 1988.

Mais de três décadas após o fim do AI-5, revogado em 1978, e 24 anos após o fim da censura, os novos cães de guarda da PF ainda farejam atos subversivos nos corredores do órgão. Agora não mais para vetar filmes, peças teatrais, livros e notícias de jornal, nem para monitorar lideranças estudantis ou sindicais. Seus alvos passaram a ser o público interno, os próprios servidores da instituição.

Mas se engana quem imagina os atuais ditadores da PF como remanescentes de antigas gerações de censores da DCDP ou de chefes das Delegacias de Ordem Polícia e Social (Dops), cujas atividades incluíam vigilância de lideranças partidárias, estudantis e sindicais. A maioria dos atuais “guardas da esquina”, que se autodenominam “superiores” em relação aos colegas de trabalho “subalternos”, é formada em boas faculdades de Ciências Jurídicas. Alguns ainda eram adolescentes quando a prática da censura foi abolida.

Servidores mais atuantes e críticos (ou menos subservientes, tidos como “rebeldes” ou “indisciplinados”), em especial representantes sindicais, são os mais visados. Assédio moral, retaliações e perseguições pessoais são práticas comuns.

Na ânsia de reafirmar o bordão de hierarquia e disciplina, os guardas engravatados da PF empunham os cassetetes ameaçadores e mandam instaurar procedimentos disciplinares e até inquéritos policiais, seja com a finalidade de punir, de reafirmar o poder de mando para enquadrar, ou apenas para humilhar, desmotivar, enfim atazanar a vida dos “subalternos”. De regra, tentam intimidar ou punir aqueles que ousam discordar ou criticar abusos, privilégios, desmandos ou mera incapacidade de gestão.

Os novos cães de guarda da PF não toleram críticas – mesmo aquelas de interesse público. Criminalizam artigos de opinião e matérias jornalísticas, sujeitos aos rigores da lei da ditadura. Reivindicações, manifestações e greves são atos subversivos intoleráveis. Através de pareceres, despachos e canetadas, os guardas da esquina tentam impor condutas não previstas ou até vedadas pela lei, como os recentes atos de alguns chefes para obrigar servidores a usar telefones pessoais em serviço ou veículos com documentação irregular.

Além de leis, decretos e atos normativos anacrônicos, ainda em vigor, daquele período restou uma herança de cultura de gestão autoritária e centralizadora, dissimulada em práticas e posturas militarizadas de tratamento interpessoal.

Resquícios dessa cultura castrense estão até em “código de ética” da associação que representa os membros da dita “classe dirigente”, como recomendação para “evitar-se promiscuir com subordinado hierárquico, dentro ou fora de suas funções”. O apartheid funcional entre cargos da mesma carreira fica explícito. Por ironia, de forma paradoxal, até os que acham superiores às vezes se insurgem contra a “lei da mordaça”.

Em pleno século XXI, os novos guardas da esquina e cães de guarda da PF dão sinais de saudosimo de um tempo obscuro, de triste memória. Tentam camuflar sua vocação autoritária, insegurança e incapacidade de liderança sob o manto de entulhos legais, em nome de uma visão ultrapassada de hierarquia e disciplina.

Josias Fernandes Alves é Agente de Polícia Federal, formado em Jornalismo e Direito, Diretor de Comunicação da Fenapef e conselheiro do Sinpef/MG. josiasfernandes@hotmail.com
Fonte: Agência Fenapef
http://www.fenapef.org.br/fenapef/noticia/index/40861