quinta-feira, 16 de abril de 2015

quarta-feira, 8 de abril de 2015

POR QUE A PEC 361/2013 REPRESENTA O MELHOR PARA A POLÍCIA FEDERAL?

Por Almir Sobral

O texto analisa o estado lastimoso da Polícia Federal e a oportunidade que a Proposta de Emenda Constitucional número 361/2013 poderá conceder ao Órgão de evoluir ao mesmo patamar das polícias mais eficazes do mundo.
A segurança pública carece de uma sucessão de preceitos que interajam entre si de forma harmônica, convergindo para ações de prevenção e repressão ao crime cuja finalidade é a proteção à população e ao bem público, donde provém a necessária serenidade social. Com base nas citadas premissas, desponta no horizonte legislativo a esperança de aumentar a eficácia da Polícia Federal, tão abalada em seus resultados e prerrogativas. Refiro-me à Proposta de Emenda Constitucional número 361/2013, (1), que impõe à segurança pública, no âmbito federal, uma feição à guisa das polícias mais eficazes do mundo. Desse modo, reparando as distorções ora existentes na Polícia Federal que padece debruçada sobre os seus próprios erros, cujas normas em vigor fragmentam a proteção aos interesses público por desconsiderar as peculiaridades do ofício e das técnicas policiais, transformando a Polícia Federal em mera expectadora da persecução penal. Há observações comparativas que comprovam a debilidade da chamada polícia judiciária, (2). Segundo dados do Ministério Público Federal, a Polícia Federal é inútil em 91,7% dos seus inquéritos que resultam em absolutamente nada. A aludida estatística expõe as mazelas do Órgão, ilustrando um descompasso entre os serviços da polícia e os resultados obtidos no qual mais de noventa e um por cento dos criminosos investigados pela Polícia Federal não ficam sujeitos à lei penal, permanecendo impunes e livres para prosseguirem em suas ações criminosas. É uma inequívoca evidência da degradação organizacional da polícia. Sob o prisma desses dados, ao que parece, o crime no Brasil compensa, até porque a ação criminosa é uma atividade de baixo risco, sofrendo pouca ou quase nenhuma repressão por parte da Polícia Federal. Esse quadro de impunidade é uma bola de neve na qual a marginalidade é estimulada a praticar e continuar praticando o crime.

Então, qual seria os motivos da ineficiência da Polícia Federal? Na verdade são inúmeras razões. Poderíamos iniciar expondo uma análise comparada entre a Polícia Federal brasileira e o "Federal Bureau of Investigation" (FBI), a Agência Federal de Investigações dos Estados Unidos da América, (3). Vejamos cinco diversidades existentes entre as duas organizações policiais: a) No FBI não existe a figura do intermediário nas investigações, ou seja, não há delegado no FBI; b) A estrutura do FBI segue à lógica evolutiva organizacional, obedecendo a um rigoroso critério de ascensão funcional, valorizando a experiência profissional e o mérito pessoal, isto é, ninguém entra no FBI já com o "status" de chefe como ocorre com o delegado brasileiro, antes é necessário adquirir experimentação prática, habilidade e perícia para o exercício profissional; c) As funções do special agent do FBI são eminentemente policial, preventiva e investigativas, assim sendo, ele próprio vai a campo executar as investigações. Trata-se de um especialista na elucidação criminal. Enquanto o delegado apenas compila informações, investigações e perícias feitas por outros policiais. O delegado não investiga o crime diretamente; d) A maioria das formações de cursos universitários são compatíveis para o ingresso na carreira do special agent do FBI por um motivo muito simples e fundamental: a investigação é conciliada com a formação do investigante, isto é, se o delito diz respeito à informática, será designado um special agent especialista em informática para trabalhar no caso, por outro lado, se o crime relaciona-se com o sistema contábil, por exemplo, o investigante será um contador, assim sucessivamente. Ao contrário do delegado brasileiro que desconsidera a essência do crime para invadir o mundo jurídico que nada tem a ver com polícia; e) No FBI não existe a ritualística burocrática do inquérito policial que muitas vezes é utilizado pela autoridade policial como instrumento de abuso de poder.

Desse modo, a ineficácia reina de permeio na chamada "polícia judiciária", cujo comportamento não respeita o Princípio da Eficiência no serviço público. No que concerne aos objetivos policiais, apenas o cumprimento das normas é insuficiente para balizar as metas de segurança pública. Especialmente em se tratando de administração da Polícia Federal, não se pode dissociar os conceitos de produtividade cujas proposições devem sempre estar voltadas para obter-se resultados satisfatórios às necessidades da sociedade. O saudoso jurisconsulto Hely Lopes Meirelles, referindo-se ao Princípio da Eficiência assim manifestou-se,(4): “o que se impõe a todo o agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento profissional...exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros". Portanto, não se trata de um princípio cuja prescrição é opcional, é um dever segundo o qual a polícia deve atuar com eficiência. Aliás, a busca pelo efetivo resultado deve ser a tônica do servidor público. Para obter-se a eficiência é necessário estabelecer nexo com os meios, porquanto a eficácia relaciona-se aos resultados, dessa forma, sem meios eficientes não há como alcançar a eficácia, razão pela qual é indispensável a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional número 361/2013.

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Ao desconsiderar o Princípio da Eficiência no cerne da ação policial, os delegados dão lugar ao comportamento burocrático, distanciando-se cada vez mais do aprimoramento técnico, levando a uma inexplicável fantasia cuja investigação criminal é corrompida em favor de uma simulação forense-policial, motivo pelo qual a elucidação do delito está em morte agônica. Realmente, quase a totalidade dos resultados positivos obtidos pela Polícia Federal são referentes a informações que chegam de fora já completamente elucidadas, ou seja, não precisando investigar mais nada, constando os respectivos nomes dos autores do delito, necessitando apenas efetuar prisões ou cumprir mandados de buscas e, ainda, transpor as informações para o inquérito policial, apesar disso, nas estatísticas aparece enganosamente como "investigação policial". No entanto, em se tratando de seguir vestígio para o esclarecimento de autoria da ilicitude penal, os policiais federais estão perdendo o gosto pela investigação em função da administração não incentivar essa prática. Pesa muito, nesse contexto, o fato segundo o qual o mérito da investigação nunca é atribuído ao verdadeiro responsável que desvendou o crime, pelo contrário, os louros e a glória sempre vão para os delegados que, de fato, nada investigam, apenas colocam no papel os procedimentos, relatórios e perícias técnicas oriundos de outros policiais, constituindo iniquidade que destrói a motivação e a propensão ao trabalho de qualquer ser humano, especialmente para policiais que arriscam a vida na profissão.

Essa atipicidade segundo a qual o delegado não investiga a ilicitude penal causa um efetivo atropelo ao bom andamento do serviço policial. Nesse diapasão, o delegado desgarra-se da direção policial para recair na análise do fato conforme os princípios do direito. Embora não reste dúvida que a polícia não exerce jurisdição, também é pacífico quanto a instrução contida no inquérito policial não ser jurisdicional, pelo contrário, trata-se de um mero procedimento administrativo destinado para preparar a ação penal, mesmo assim, os delegados teimam em elaborar um longo e desnecessário relatório com feição jurídica, à luz de sofismas e conceituações deficientes sob a ótica policial. É tempo perdido porque a análise jurídica acusatória não cabe à polícia e sim exclusivamente ao Ministério Público, o Órgão de Acusação. Polícia e MP são entidades dotadas de peculiaridades marcantemente distintas. Enquanto o Ministério Público atua eminentemente no mundo jurídico, sendo o responsável pela acusação aos infratores à lei penal; a polícia judiciária tem como incumbência tão-somente a identificação da autoria do delito e o esclarecimento dos recursos e métodos empregados na execução do crime, portanto, o universo policial situa-se bem distante do mundo jurídico. Embora existam leis que atribuam juridicidade às atividades de delegado, tais leis constituem aberrações jurídicas. Até porque não há um único ato oriundo de delegado que possa ser considerado forense ou judicial, assim, são leis ineptas que degeneram a Constituição Federal quanto ao Princípio da Finalidade porque direcionam policiais para atividades que não lhes são próprias. As citadas leis foram elaboradas sob a égide corporativistas de delegados, tendo como objetivo firmar um paralelo absurdo e utópico entre a investigação do crime e o processo judicial, objetivando a supremacia dos próprios delegado sobre os demais funcionários, inclusive os peritos criminais e membros do Ministério Público.

Restando claro não ser atributo de polícia levar a efeito a decomposição jurídica da ilicitude, esse comportamento de delegado, afastando-se de suas funções, traduz-se em infração à diretiva constitucional pertinente ao Princípio da Finalidade, também conhecido como Princípio da Impessoalidade. O citado desvio de conduta constitui uma das mais pérfidas características de abuso de poder no âmbito policial. No tocante ao Princípio da Finalidade, (5), Celso Antônio Bandeira de Mello ensina: "impõe que o administrador, ao manejar as competências postas a seu encargo, atue com rigorosa obediência à finalidade de cada qual. Isto é, cumpre-lhe cingir-se não apenas à finalidade própria de todas as leis, que é o interesse público, mas também à finalidade específica obrigada na lei a que esteja dando execução". Portanto, o gestor do inquérito policial, o delegado, tem a obrigação de praticar seus atos com vista à realização da finalidade perseguida pelo interesse público que no segmento da polícia investigativa é o esclarecimento do crime. Essa divagação, desviado-se de suas incumbências para enveredar na seara do Ministério Público, como foi dito, constitui infração ao Princípio da Finalidade, delineado em nossa Constituição Federal, art. 37, cuja linha reguladora impede a prática de ato visando unicamente satisfazer interesses privados, sem o interesse público.

Certamente, o obstáculo mais forte à evolução e à modernização da polícia investigativa habita dentro do próprio Departamento de Polícia Federal e, por ironia do destino, os entraves significativos sobrevém dos chefes de polícia. É isso mesmo, a grande barreira à eficácia do serviço policial repousa em seus dirigentes. Por isso não nos surpreendemos pelo fato dos delegados contestarem a PEC 361/2013 que estabelece uma expressiva evolução nas fundações e nos elementos estruturantes da Polícia Federal, a Associação dos Delegados de Polícia Federal é especialmente contra. Há quem não compreenda as razões da forte oposição dos delegados ao desenvolvimento da própria polícia. Pois bem, não é difícil entender, esse antagonismo relaciona-se às pretensões da classe, isto é, os delegados querem encampar as atribuições do Ministério Público, para isso é essencial a manutenção da categoria apartada das demais classes, quanto mais intensa for a separação tanto melhor para correlacionar-se critérios jurídicos às suas funções. Entretanto, enquanto os delegados apostam na transformação deles próprios em "promotores de justiça", a citada Proposta de Emenda Constitucional esguicha um jato de água fria nessa ambição em função de profissionalizar a Polícia Federal, priorizando a técnica, a eficiência e a eficácia.

Enquanto aos juízes e aos membros do Ministério Público é vedado dedicarem-se à atividade político-partidária, os delegados infiltram-se cada vez mais no Congresso Nacional legislando em causa própria. Eis o principal motivo dessa escalada na dissensão policial no âmbito jurídico em confronto com as atribuições de polícia, vejamos breves exemplos: a PEC 549/2006 oriunda do deputado Arnaldo Faria de Sá - PTB/SP, tradicional aliado da chamada "autoridade policial", propõe salário de delegado igual ao dos membros do Ministério Público, (6); a PEC 293/2008, (7), cujo autor, não por acaso, é o deputado-delegado Alexandre Silveira de Oliveira (PPS/MG) e o relator, também não por acaso, é o deputado-delegado João Campos (PSDB/GO), pleiteia para os delegados de polícia as garantias peculiares de juízes e integrantes do Ministério Público. Não poderíamos deixar de citar a PEC 37, de autoria do então deputado-delegado Lourival Mendes (PTdoB-MA), através da qual os delegados pretendiam proibir aos demais órgãos públicos estaduais e federais de elucidar ou investigar o crime. Isto é, simplesmente as autoridades policiais queriam levantar uma trincheira de proteção ao delinquente e amparo à ilicitude penal à medida em que exigiam a eliminação e proibição da investigação criminal oriunda de quaisquer organismos senão o deles próprios, os delegados. Essa patifaria de delegados também contribuiu para levar o povo às ruas em manifestações de protesto que reuniu mais de um milhão de pessoas, ocorridas em junho de 2013, (8), em cujas reivindicações também conclamavam pela supressão da PEC 37, então rotulada de PEC da impunidade. Não fosse as manifestações de rua, o Brasil estaria hoje a mercê do banditismo, (9). Certamente, caso essa PEC 37 houvesse aprovada, o nosso País passaria a ser o éden da criminalidade. Contudo, o triste paradoxo é que a PEC 37 foi iniciativa de um deputado delegado de polícia que em lugar de atuar em defesa do povo, inverteu os valores morais para intentar o mal à população.

Outro advento que merece ser consignado se refere ao Projeto de Lei da Câmara (PLC) 132/2012, transformado na Lei 12.830 de 20 de junho de 2013, (10). Trata-se de mais um plano corporativista, senão vejamos o consignado em seu art. 3: "O cargo de delegado de polícia é privativo de bacharel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados." Diante da referência a "tratamento protocolar" contida na lei, apressaram-se os delegados a exigir para si o tratamento de "Vossa Excelência". No âmbito do Departamento de Polícia Federal não são poucos os prenúncios, ameaças ou promessas de punições para os funcionários que se atrevam a designar delegado diferentemente de "Vossa Excelência". Há até delegado da Polícia Civil que se recusa a exercer o seu ofício se não for tratado por " vossa excelência", (11). Arrogância desnecessária. Sobre a matéria, o erudito agente de Polícia Federal Josias Fernandes Alves, formado em Jornalismo e Direito, assim se manifestou, (12): "Talvez para decepção de delegados, a menção ao advogado tornou ambígua a interpretação. Se o tratamento protocolar garantido a eles se equipara ao dispensado ao advogado, que não é Vossa Excelência, a dúvida quanto ao uso do pronome de tratamento dos delegados tende a persistir até que o atuante lobby de suas entidades classistas consiga a alteração de gramáticas e manuais de redação. Para lembrar o provérbio, “não se presumem na lei palavras inúteis” (verba cum effectu sunt accipienda, na expressão em latim, tão cara às suas excelências, os juristas). Toda essa controvérsia não passaria de caprichos pessoais, filigranas jurídicas ou questões semânticas, não fosse o empenho com que delegados de polícia têm tentado impor o tratamento de Vossa Excelência, inclusive para servidores de outros órgãos. Delegados da Polícia Civil de Minas Gerais estão enviando ofícios aos comandantes de unidades da Polícia Militar, para exigir o tratamento de excelência." De fato, os advogados não fizeram a mesma exigência dos delegados. Ante a escalada de leviandades promovidas pela autoridade policial em causa própria, não causaria surpresa caso os delegados passassem a exigir para si o pronome de tratamento "meritíssimo", pois que é questão tão-somente de interpretação da lei. Afinal de contas quem interpretou a lei no sentido segundo o qual o delegado deva ser tratado por "Vossa Excelência" foram os próprios delegados, advogados sob a égide da mesma lei não interpretaram da mesma forma.

Apesar dessa concatenação de fatos indicativos da existência de uma vertente cuja finalidade é atribuir privilégios indevidos aos delegados, às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais, para surpresa geral, o Poder Executivo editou a Medida Provisória 657 em 13 de outubro de 2014, apresentada ao Congresso Nacional no dia seguinte, (13) cujo texto atribui "natureza jurídica" para delegado; enuncia que todos os cargos de chefia na Polícia Federal é privativo de delegado, inclusive a direção-geral cuja nomeação será realizada pelo Presidente da República, aniquilando o profissionalismo nas demais categorias. O relator da MP, um delegado de polícia, claro, o deputado João Campos. O desvario dessa MP acarretou uma nota de repúdio da Associação Nacional dos Procuradores da República, (14).

Encontramos o requinte da insensatez dos delegado de polícia na PEC 412/2009 que propõe "autonomia funcional, administrativa e financeira" para a Polícia Federal, (15). É como se criasse mais um "poder" na República, o "poder delegadesco". Montesquieu deve estar se contorcendo no túmulo. Com isso os delegados, e só eles, iriam estabelecer normas relativas ao efetivo funcional, nomenclatura de cargos, atribuições, quantitativo da carreira, procedimentos técnicos, métodos investigativos e escolha de seus dirigentes e até nomeação da direção-geral do Órgão. Também ficaria a cargo dos delegados o orçamento da Polícia Federal, podendo até firmar critérios salariais para o quadro de funcionários. Dessa forma, imperaria a desordem no controle administrativo da Polícia Federal e o Poder Executivo seria incapaz de manter o equilíbrio na regência do organismo policial. O autor dessa desditosa PEC 412/2009, também não por acaso, é o deputado-delegado Alexandre Silveira de Oliveira.

Agora, os delegados querem para si as prerrogativas de "agente político". Quanto a essa faculdade, a Controladoria-Geral da União esclarece: "O agente político é aquele detentor de cargo eletivo, eleito por mandatos transitórios, como os Chefes de Poder Executivo e membros do Poder Legislativo, além de cargos de Ministros de Estado e de Secretários nas Unidades da Federação, os quais não se sujeitam ao processo administrativo disciplinar", (16). Como se vê, os delegados não querem se sujeitar ao controle disciplinar. É exatamente esse controle que propicia a fiscalização do Estado sobre a atividade pública. Perderam o juízo. Esse desejo desmedido e ardente de poder em detrimento da sociedade brasileira levou a entidade que representa os Procuradores da República a pugnar pela extinção do cargo de delegado de polícia (17), como se vê na Nota Técnica, item 11: "Nesse contexto, nada mais orquestrado com a promoção da segurança pública do que exigir a experiência policial para a progressão na carreira, eliminando-se, por excelência, a figura do delegado que coordena diligências sem nunca ter ido a campo" .

Diante do triste quadro da segurança pública no âmbito federal, a PEC 361/2013 tem uma finalidade digna de aclamação, qual seja, realizar as devidas correções nas regras responsáveis pelos atuais métodos investigativos, estabelecendo também modificações no arcabouço da Polícia Federal, cuja estrutura tem-se revelado inconsistente, frágil e ineficaz para o combate à violação da lei penal. Trata-se de uma Proposta de Emenda Constitucional com o objetivo de dedicar à sociedade brasileira maiores garantias no tocante à proteção do bem jurídico difuso e individual no campo de ação da Polícia Federal, dotando os seus alicerces de meios para uma atuação habilitada e reflexiva à gestão da polícia judiciária e administrativa, estabelecendo um forte elo entre os recursos humanos e os resultados obtidos com o propósito de otimizar a prevenção e a repressão à criminalidade. Assim, o Congresso Nacional está diante de uma escolha maniqueísta na qual a aprovação da mencionada PEC 361/2013 representaria o bem social em proveito do povo brasileiro; por outro lado, se rejeitada, representaria a permanência no estado lastimoso que ora se encontra a persecução criminal, o mal para a sociedade. A MP 361/2013 significa mais que o equacionamento dos conflitos de produtividade e da harmonia necessária à execução dos trabalhos na Polícia Federal porque oferece ao povo brasileiro um órgão policial ao nível das melhores polícias do mundo.

NOTAS:

1- http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=602998

2- http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2013/06/17/apenas-8-dos-inqueritos-criminais-da-policia-federal-viram-denuncias-do-ministerio-publico/

3- https://www.fbijobs.gov/home/

4- MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2002

5- MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito administrativo, 7ª ed., São Paulo: Malheiros, p. 65.

6- http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=325690

7- http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=409032

8- http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/06/20/em-dia-de-maior-mobilizacao-protestos-levam-centenas-de-milhares-as-ruas-no-brasil.htm

9- http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/2013-06-22/protesto-contra-pec-37-em-sao-paulo-tem-diversidade-de-causas.html

10- http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=109960

11- http://noticias.r7.com/minas-gerais/delegado-mineiro-so-vai-receber-bo-se-for-chamado-de-vossa-excelencia-10092014

12- http://www.conjur.com.br/2014-ago-13/josias-fernandes-vossa-excelencia-delegado-gera-controversias

13- http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=118642

14- http://www.anpr.org.br/index.php?option=com_noticias&view=destaque&id=3857

15- http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=453251

16- http://www.cgu.gov.br/sobre/perguntas-frequentes/atividade-disciplinar/agentes-publicos-e-agentes-politicos

17- http://www.anpr.org.br/images/anpr_em_acao/2014/junho/notatecnicapec73.pdf

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Avaliando os protestos e seus desdobramentos

Após as manifestações deste domingo, cabe um esforço para interpretar seus significados.

A primeira constatação: as manifestações foram muito amplas. Em texto anterior (“Cebolas e Algemas”) avaliei que os protestos não alcançariam as dimensões das jornadas de julho de 2013, mas que seriam impactantes. Penso que o foram efetivamente. Três motivos, em particular, devem ser lembrados para bem dimensionar o fenômeno:

1) As manifestações foram, em larga medida, autônomas e organizadas pelas redes sociais, sem o patrocínio de máquinas partidárias ou sindicais e sem o apoio de movimentos sociais.

2) Os atos transcorreram em todo o País, extrapolando as chamadas elites econômicas ou as camadas tradicionalmente situadas à direita no espectro político-ideológico.

3) O eixo político das mobilizações, claramente anti-Dilma e anti-PT, reduziu as possibilidades de agregar número ainda maior de descontentes. Se a mobilização tivesse sido convocada como uma jornada contra a corrupção, teria sido ainda muito maior.

As tentativas de minimizar as dimensões do protesto deste 15 de março mostram o quanto determinados segmentos do governo e do PT ainda não se deram conta das dimensões do problema. Neste particular, caracterizar os atos como “manifestação dos que não votaram na presidenta Dilma”, como sintetizou o ministro Miguel Rosseto (um dos melhores quadros do governo), ou como protesto de “coxinhas” no jargão militante da esquerda, me parece erro grave e equivalente à avaliação daqueles que, em junho de 2013, ficaram perplexos com as manifestações de rua e se inclinaram rapidamente a situá-las no campo “da direita” e mesmo do “fascismo”.

É óbvio que a maioria dos que foram às ruas hoje votaram em Aécio. Assim como é evidente que o núcleo ideológico das manifestações é claramente de direita. O problema é que a insatisfação popular com o governo e com a corrupção não é “de direita”. É simplesmente uma reação de quem não tolera mais o cinismo, os discursos formatados por marqueteiros e a prática reiterada de tratar as pessoas como se elas fossem incapazes. Também por isso, é provável que as manifestações tenham sequência e que reúnam progressivamente mais manifestantes. Os partidos tradicionais da oposição mantiveram uma postura discreta hoje, até porque não sabiam exatamente qual a dimensão que os protestos teriam. Depois do que ocorreu, o mais provável é que invistam nas mobilizações.

Isto coloca um desafio também para as forças de oposição à esquerda que ficaram agora “prensadas” pelas ruas. Nem podem se somar às mobilizações do campo “Brasil Livre”, nem possuem força suficiente para propor mobilizações à parte. O papel que poderão cumprir – se é que terão algum papel relevante a cumprir – é o de apresentar ao País uma agenda de reformas capazes de enfrentar a crise econômica e política. Uma tarefa complexa e que exigirá muito mais que fórmulas ideológicas e críticas morais.

Na verdade, o sentimento antigovernista e antipetista se alastrou como um incêndio morro acima principalmente pela leniência do governo diante dos escândalos da corrupção e pela capacidade, ao que parece inesgotável, de mentir sistematicamente, até para acusar os adversários em uma campanha e, depois, fazer exatamente aquilo de que os acusava.

O discurso oficial segundo o qual a corrupção agora é investigada - o que antes não ocorria – pode ser até “tecnicamente verdadeiro”, mas mesmo as pedras sabem que isso ocorre não porque o governo desejou que fosse assim, mas graças à autonomia crescente de instituições como o Ministério Público e a Polícia Federal, processo que tem início com a CF de 1988.

O governo Dilma não consegue enfrentar de fato a corrupção por conta de duas “amarras” principais:

a) a natureza de sua base de sustentação política, parte importante da qual irá frequentar as páginas policiais nos próximos anos, e

b) a herança de esquemas “não republicanos”, digamos assim, deixada pelo período Lula; entre eles a roubalheira montada na Petrobrás.

Duas outras condições tornam tudo mais difícil:

a) a presidenta não tem qualquer carisma, se expressa de forma sofrível e não tem a menor condição de travar a luta política com a desenvoltura, a legitimidade e a habilidade requeridas e

b) o PT é um partido paralítico, dependente até a medula do Estado e que não dispõe mais de quadros nacionais expressivos. Os eventuais sucessores de Lula foram abatidos por condenações (José Dirceu e Genoíno) ou por suspeitas sérias (Palocci). Mercadante, embora fortalecido pelas relações com Dilma, sempre foi muito contestado no PT. Os líderes do PT no Congresso são Sibá e Guimarães e seu presidente é Rui Falcão, o que é patético.

Lula, a única liderança nacional do PT, se preserva, para variar. Sabe que o governo Dilma não é o seu governo e que a situação é muito difícil. Se o governo conseguir contornar a crise, ele será o símbolo da “continuidade das mudanças” (outra pérola do marketing); se o governo Dilma afundar, ele será a promessa do “retorno aos bons tempos”. Para Lula, talvez exista uma batalha mais importante a travar agora e ela tem algo a ver com a extensão e a profundidade das investigações da Lava-Jato. Por isso, não me surpreenderá se ele for o fiador de um novo acordo com o PMDB de Renan e de Eduardo Cunha.

A reivindicação de impeachment de Dilma não se sustenta, porque, salvo prova em contrário, a presidenta não está envolvida em crime de responsabilidade. A palavra de ordem, entretanto, tende a permanecer nas ruas na ausência de uma agenda de reformas e o PT é, entre todos os partidos, o que tem a menor legitimidade para criticá-la vez que usou e abusou desta mesma retórica muitas vezes. Para a oposição, o “Fora Dilma” é útil como uma espada de Dâmocles, mas - salvo se a situação se agravar para além do que é possível imaginar - o mais provável é que o impeachment cumpra apenas um papel de deslegitimação do governo.

Para o Brasil, é melhor que as ruas se encham de protestos do que de desesperança. Em Porto Alegre, a imprensa registrou que um manifestante que pretendia abrir uma faixa a favor da “intervenção militar” foi impedido de fazê-lo, o que me pareceu um fato importante e que já traduz uma determinada consciência democrática. Em outras capitais, apareceram cartazes e dizeres com bobagens do tipo. Independente disto e de manifestações intolerantes e preconceituosas que também ocorreram, o sentido geral dos protestos se afasta da ideia de ruptura e fortalece a lógica democrática. A maioria dos que estiveram nas ruas hoje é formada por pessoas que desejam sinceramente o melhor para o Brasil. Se estas pessoas ainda não perceberam que temas como a corrupção são problemas mais amplos do que aqueles de responsabilidade do governo federal e do PT, se lhes falta um senso crítico diante dos políticos tradicionais (razão pela qual faltaram cartazes contra Renan e Eduardo Cunha, por exemplo), se há um conjunto de simplificações e mesmo torpezas na forma como expressam seu descontentamento, somos todos, de alguma forma, também responsáveis por isso. Tais limites dizem respeito às fragilidades da consciência política no Brasil e não são, aliás, privilégio dos ricos e das classe médias.

Para não agravar a crise, o governo deve respeitar as manifestações e tratá-las como um sintoma de um processo muito maior de descolamento da população diante das instituições. Não custa lembrar, por fim, que os maiores riscos para a democracia sempre estiveram nos acordos dos gabinetes, não no vozerio das ruas.


Marcos Rolim. jornalista formado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e doutor e mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).