quinta-feira, 8 de abril de 2010

Sordidez Burocrática

“Se alguma coisa que foi feita para não funcionar, não funciona, então está coisa está funcionando”

Uma das maneiras que as máfias italianas fizeram para lavar o dinheiro ilícito ganho a partir do tráfico de drogas exploração do jogo e da prostituição para dar caráter legal aos seus negócios foi entrar em parceria com o Estado. Elegeram membros para o legislativo e também para o executivo com apoios financeiros que posteriormente eram revertidos muito mais do que a simples defesa de seus direitos mas na participação direta destes. Nessa participação o Estado emperra e só funciona através do nome de algum figurão, a empresa prestadora de serviço deve ser ligadas a ele, licitações são vencidas por aqueles que participam deste rol.

Roberto Saviano, jornalista e autor do livro Gomorra, ilustrou em recente entrevista a Globo News, que mafiosos detinham o controle do lixo, neste trabalho ofereciam um serviço caro com um projeto imbatível de arrecadação do lixo e destinação, tais empresas só poderiam atuar a partir de certificações ambientais. Tudo passa pelas mãos deles, mas o serviço não é executado e conseguem certificação do Estado por terem total controle, é a corrupção como norma, fazendo parte do cotidiano da estrutura burocrática. Conhece algum lugar assim?

Sem atravessar o Atlântico, assistimos aqui com certa frequência e semelhança que podemos comparar. Uma que é a forma embrionária das máfias através da organização criminosa vista nas milícias, onde por lacuna administrativa grupos passam a oferecer serviços a comunidade, esses grupos mais adiante começam a integrar o corpo Estatal através de mandatos eletivos e também fazendo parte do executivo. Outra frente são os já possuidores de mandato que começam unidos ao executivo fazer parte da máquina administrativa, mantendo empresas prestadoras de serviço onde o Estado, através da terceirização, paga por um atendimento de baixa qualidade apesar dos elevados preços praticados, criam ainda centros de atendimento assistencial, emperram a máquina pública para só funcionar com a intervenção destes. Ao utilizarem-se dessas práticas e estratégias ganham de todos os lados, tanto financeiramente como eleitoralmente. O ganho financeiro é auferido através da prestação de serviços “realizado” através de suas empresas. O ganho eleitoral é decorrente do agradecimento popular; a ineficiência do Estado faz com que o cidadão acabe sendo vitima e cúmplice deste conluio, pois mantém-se fiel a esses grupos que fazem as vezes do Estado provendo esse cidadão com suas necessidades ou mesmo exigindo fidelidade através de pressões, coações e até mesmo ameaças. Resumindo, essa prática reprovável não deixa de ter seu condão “mafioso”, infelizmente ao auferirem poder econômico e eleitoreiro esses grupos tendem a multiplicar cada vez mais os seus tentáculos sob toda a sociedade.

Muitos dizem que o momento da mudança ocorre com as eleições e que o povo tem o político que merece. Em parte isso é verdade, mas acreditamos que talvez falte ao povo à opção de escolha. O eleitor é sistematicamente enganado e manipulado principalmente através do poder da mídia; sendo levado a crer nestes candidatos, seja pelo interesse pessoal e pelo favorecimento, seja pela exploração de sua própria ambição, é bem verdade que isso acaba culminando com a venda da sua cidadania.

Mas e o Estado? Não é ele que tem o poder da fiscalização e o da tutela? Através de suas instituições não deveria combater esses abusos? Estariam essas instituições impregnadas com interesses particulares decorrentes da ocupação de cargos e apadrinhamentos?

De nada valem os impostos pagos, aja visto as dezenas de faixas que vemos em agradecimento pelos serviços públicos essenciais executados, como asfalto, luz, limpeza, poda de árvores e benfeitorias. Não é exatamente para isso que pagamos, ou eles têm destino difuso? Talvez o retorno para as mãos sujas de grupos que se organizam no intuito de enriquecer com o dinheiro público. E o pior é que quando se tem ação efetiva de término de poder em determinada área sob domínio da milícia, por exemplo, o Estado não provém os serviços, ficando o povo a mingua, restando então a saudade daquela outrora exploração que contudo apresentava algum serviço. Verificamos assim, com pesar, frustração e profunda tristeza que a tão sonhada democracia conquistada a duras penas acaba sendo sufocada por grupos espúrios que corroem o Estado e hipocritamente se apresentam como substitutos e salvadores desse Estado.

Afinal, de quem é a responsabilidade pela administração do Estado? Do povo, ou dos poderes constituídos? E estabelecido isso, a quem devemos recorrer no caso da incapacidade e ineficiência dos responsáveis?

Fábio Domingos da Costa ** – Agente de Polícia Federal

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