Na teoria, ela bebe de fontes sérias, que vão da psicologia transpessoal de Abraham Maslow às ideias de inteligência emocional de Daniel Goleman. Aplicada à pedagogia, significaria alterar as práticas de sala de aula para incentivar a introdução da afetividade na relação aluno-professor e entre os próprios alunos, com o objetivo de criar um ambiente de bem-estar na escola que melhorasse o ensino-aprendizagem. Assim como a maioria dos professores brasileiros se diz construtivista sem jamais ter lido Piaget ou entendido sua teoria, também a pedagogia do afeto tem uma aplicação que, em seu simplismo, pouco tem a ver com a matriz teórica. No Brasil, usa-se essa definição para uma ideia algo difusa de que o fundamental de uma escola, de um professor, é dar afeto aos seus alunos e desenvolver com eles uma relação pessoal, suprindo a suposta carência de afeto sentida pelas crianças brasileiras.
Essa visão se espalha com enorme rapidez. Em pesquisa recente de Tania Zagury com uma amostra grande de professores de todo o país, 62% dos entrevistados disseram que "a melhor escola é aquela em que o aluno encontra professores amigos e ambiente agradável". Grupos de escolas particulares adicionam o coraçãozinho da sua pedagogia afetiva a seus anúncios, e a teoria é agora o norte pedagógico da Legião da Boa Vontade (LBV).
A pedagogia do afeto apresenta três vantagens importantes a seus adeptos. A primeira é que ela é de difícil mensuração (como se mede o amor?), de forma que é impossível dizer se funciona ou não. A segunda é que o uso do afeto serve como um antídoto ao fracasso de nossas escolas naquela que deveria ser sua primeira tarefa, a de transmitir conhecimentos da cultura universal e desenvolver o raciocínio analítico e a curiosidade do alunado. Sempre é conveniente defender-se do fracasso técnico atrás do véu propiciado por uma causa nobre. Afinal, o que é saber trigonometria diante de estar com o coração transbordante e em contato com sua alma? Finalmente, o terceiro benefício é que a pedagogia do afeto apresenta uma alternativa mais simpática para explicar o insucesso da escola em relação a seu principal concorrente, a ideologização do ensino, que pretende formar o "cidadão crítico e consciente". Você pode reclamar que seu filho não está aprendendo porque está sendo doutrinado, mas como atacar aqueles que se preocupam em criar um ambiente amoroso em sala de aula? Já vejo os seus simpatizantes pensando: "Mas o que esse cara defende, então? A pedagogia do ódio?". É um prato cheio para os maniqueístas.
Mais do que uma ferramenta cínica para cobrir nossa abissal incompetência no ensino, a pedagogia do afeto se encaixa como uma luva em duas vertentes da nossa cultura, especialmente populares entre os professores. A primeira é o maximalismo. Não basta ao docente brasileiro ser um profissional competente que consegue dar cabo de sua missão primeira (e nada simples) de transmitir aos alunos todo o conhecimento e desenvolver as habilidades intelectuais para navegar em um mundo crescentemente complexo. Isso é pouco. É preciso, também, desenvolver valores éticos, melhorar a autoestima do alunado, preservar o meio ambiente e prezar a diversidade. O bom professor precisa ser um herói, um abnegado, um missionário, um Quixote lutando contra uma sociedade que o ignora e o desrespeita.
A segunda vertente, muito estimulada pelo governo atual, é a ideia de que o brasileiro legítimo é um batalhador, que se esforça contra todas as adversidades. Se triunfa ou não, é irrelevante: o que importa é que não desiste nunca. E o faz mantendo, no processo, a simpatia e a cordialidade brejeira que ainda nos tornarão a Roma dos trópicos. Em suma, o processo e o esforço são mais importantes que o resultado. E o resultado do processo escolar - que deveria ser, antes de todo o resto, o aprendizado - fica de lado. A escola brasileira parece acreditar que terá cumprido sua missão se criar um sujeito bem ajustado, que não puxa os cabelos dos coleguinhas, ainda que não saiba a tabuada nem consiga escrever dois parágrafos concatenados.
A origem intelectual desse vírus que vai poluindo nosso discurso educacional é difusa, já que se trata de um pot-pourri de diversos pensamentos desconexos. Seus maiores praticantes no Brasil são Içami Tiba e Gabriel Chalita. Os escritos do primeiro se destinam mais a pais do que a professores, e se caracterizam pela superficialidade e autopromocionalismo dos manuais de autoajuda. Seu magnum opus, Quem Ama, Educa!, destila todos os assuntos imagináveis sobre educação dos filhos em apenas 300 páginas, com uma bibliografia de dezessete autores. É inócuo.
Já Chalita se vale de citações de grandes pensadores para convencer os leitores incautos e incultos de que se trata de um trabalho de densidade intelectual. Sob esse disfarce, esconde-se uma retórica insidiosa, com o objetivo claro de bajular os docentes, a fonte de votos do "pensador" que virou político. Na cosmovisão chalitiana, os professores são os heróis da nossa educação e as vítimas de um fracasso que é da civilização, não da escola. No autoexplicativo Educação: a Solução Está no Afeto, Chalita tenta passar do plano teórico à sala de aula, para descrever como seria uma aula afetiva: "Em matemática, física ou química, como se abordaria esse tema? Seriam feitas reflexões sobre as sensações humanas, o medo, a solidão. As retas, o plano, a trigonometria das ruas do Rio de Janeiro em que conviveram amigos - Vinicius, Toquinho, Tom Jobim (...)". Então tá. Adiciona: "Nada substitui o velho lar. A educação por conta do estado e das instituições não funciona". Assertiva curiosa para alguém que foi secretário da Educação de São Paulo, mas, pelo menos, consistente com sua práxis. Nos quatro anos em que ele esteve no cargo, os alunos sofreram: caiu em 700 000 o número de matrículas nos níveis fundamental e médio, caíram as taxas de aprovação e conclusão do ensino fundamental e mais de 300 escolas foram extintas. Mas com muito afeto.
GUSTAVO IOSCHPE - Revista VEJA em 10 Março 2010.
quinta-feira, 8 de abril de 2010
Sordidez Burocrática
“Se alguma coisa que foi feita para não funcionar, não funciona, então está coisa está funcionando”
Uma das maneiras que as máfias italianas fizeram para lavar o dinheiro ilícito ganho a partir do tráfico de drogas exploração do jogo e da prostituição para dar caráter legal aos seus negócios foi entrar em parceria com o Estado. Elegeram membros para o legislativo e também para o executivo com apoios financeiros que posteriormente eram revertidos muito mais do que a simples defesa de seus direitos mas na participação direta destes. Nessa participação o Estado emperra e só funciona através do nome de algum figurão, a empresa prestadora de serviço deve ser ligadas a ele, licitações são vencidas por aqueles que participam deste rol.
Roberto Saviano, jornalista e autor do livro Gomorra, ilustrou em recente entrevista a Globo News, que mafiosos detinham o controle do lixo, neste trabalho ofereciam um serviço caro com um projeto imbatível de arrecadação do lixo e destinação, tais empresas só poderiam atuar a partir de certificações ambientais. Tudo passa pelas mãos deles, mas o serviço não é executado e conseguem certificação do Estado por terem total controle, é a corrupção como norma, fazendo parte do cotidiano da estrutura burocrática. Conhece algum lugar assim?
Sem atravessar o Atlântico, assistimos aqui com certa frequência e semelhança que podemos comparar. Uma que é a forma embrionária das máfias através da organização criminosa vista nas milícias, onde por lacuna administrativa grupos passam a oferecer serviços a comunidade, esses grupos mais adiante começam a integrar o corpo Estatal através de mandatos eletivos e também fazendo parte do executivo. Outra frente são os já possuidores de mandato que começam unidos ao executivo fazer parte da máquina administrativa, mantendo empresas prestadoras de serviço onde o Estado, através da terceirização, paga por um atendimento de baixa qualidade apesar dos elevados preços praticados, criam ainda centros de atendimento assistencial, emperram a máquina pública para só funcionar com a intervenção destes. Ao utilizarem-se dessas práticas e estratégias ganham de todos os lados, tanto financeiramente como eleitoralmente. O ganho financeiro é auferido através da prestação de serviços “realizado” através de suas empresas. O ganho eleitoral é decorrente do agradecimento popular; a ineficiência do Estado faz com que o cidadão acabe sendo vitima e cúmplice deste conluio, pois mantém-se fiel a esses grupos que fazem as vezes do Estado provendo esse cidadão com suas necessidades ou mesmo exigindo fidelidade através de pressões, coações e até mesmo ameaças. Resumindo, essa prática reprovável não deixa de ter seu condão “mafioso”, infelizmente ao auferirem poder econômico e eleitoreiro esses grupos tendem a multiplicar cada vez mais os seus tentáculos sob toda a sociedade.
Muitos dizem que o momento da mudança ocorre com as eleições e que o povo tem o político que merece. Em parte isso é verdade, mas acreditamos que talvez falte ao povo à opção de escolha. O eleitor é sistematicamente enganado e manipulado principalmente através do poder da mídia; sendo levado a crer nestes candidatos, seja pelo interesse pessoal e pelo favorecimento, seja pela exploração de sua própria ambição, é bem verdade que isso acaba culminando com a venda da sua cidadania.
Mas e o Estado? Não é ele que tem o poder da fiscalização e o da tutela? Através de suas instituições não deveria combater esses abusos? Estariam essas instituições impregnadas com interesses particulares decorrentes da ocupação de cargos e apadrinhamentos?
De nada valem os impostos pagos, aja visto as dezenas de faixas que vemos em agradecimento pelos serviços públicos essenciais executados, como asfalto, luz, limpeza, poda de árvores e benfeitorias. Não é exatamente para isso que pagamos, ou eles têm destino difuso? Talvez o retorno para as mãos sujas de grupos que se organizam no intuito de enriquecer com o dinheiro público. E o pior é que quando se tem ação efetiva de término de poder em determinada área sob domínio da milícia, por exemplo, o Estado não provém os serviços, ficando o povo a mingua, restando então a saudade daquela outrora exploração que contudo apresentava algum serviço. Verificamos assim, com pesar, frustração e profunda tristeza que a tão sonhada democracia conquistada a duras penas acaba sendo sufocada por grupos espúrios que corroem o Estado e hipocritamente se apresentam como substitutos e salvadores desse Estado.
Afinal, de quem é a responsabilidade pela administração do Estado? Do povo, ou dos poderes constituídos? E estabelecido isso, a quem devemos recorrer no caso da incapacidade e ineficiência dos responsáveis?
Fábio Domingos da Costa ** – Agente de Polícia Federal
Uma das maneiras que as máfias italianas fizeram para lavar o dinheiro ilícito ganho a partir do tráfico de drogas exploração do jogo e da prostituição para dar caráter legal aos seus negócios foi entrar em parceria com o Estado. Elegeram membros para o legislativo e também para o executivo com apoios financeiros que posteriormente eram revertidos muito mais do que a simples defesa de seus direitos mas na participação direta destes. Nessa participação o Estado emperra e só funciona através do nome de algum figurão, a empresa prestadora de serviço deve ser ligadas a ele, licitações são vencidas por aqueles que participam deste rol.
Roberto Saviano, jornalista e autor do livro Gomorra, ilustrou em recente entrevista a Globo News, que mafiosos detinham o controle do lixo, neste trabalho ofereciam um serviço caro com um projeto imbatível de arrecadação do lixo e destinação, tais empresas só poderiam atuar a partir de certificações ambientais. Tudo passa pelas mãos deles, mas o serviço não é executado e conseguem certificação do Estado por terem total controle, é a corrupção como norma, fazendo parte do cotidiano da estrutura burocrática. Conhece algum lugar assim?
Sem atravessar o Atlântico, assistimos aqui com certa frequência e semelhança que podemos comparar. Uma que é a forma embrionária das máfias através da organização criminosa vista nas milícias, onde por lacuna administrativa grupos passam a oferecer serviços a comunidade, esses grupos mais adiante começam a integrar o corpo Estatal através de mandatos eletivos e também fazendo parte do executivo. Outra frente são os já possuidores de mandato que começam unidos ao executivo fazer parte da máquina administrativa, mantendo empresas prestadoras de serviço onde o Estado, através da terceirização, paga por um atendimento de baixa qualidade apesar dos elevados preços praticados, criam ainda centros de atendimento assistencial, emperram a máquina pública para só funcionar com a intervenção destes. Ao utilizarem-se dessas práticas e estratégias ganham de todos os lados, tanto financeiramente como eleitoralmente. O ganho financeiro é auferido através da prestação de serviços “realizado” através de suas empresas. O ganho eleitoral é decorrente do agradecimento popular; a ineficiência do Estado faz com que o cidadão acabe sendo vitima e cúmplice deste conluio, pois mantém-se fiel a esses grupos que fazem as vezes do Estado provendo esse cidadão com suas necessidades ou mesmo exigindo fidelidade através de pressões, coações e até mesmo ameaças. Resumindo, essa prática reprovável não deixa de ter seu condão “mafioso”, infelizmente ao auferirem poder econômico e eleitoreiro esses grupos tendem a multiplicar cada vez mais os seus tentáculos sob toda a sociedade.
Muitos dizem que o momento da mudança ocorre com as eleições e que o povo tem o político que merece. Em parte isso é verdade, mas acreditamos que talvez falte ao povo à opção de escolha. O eleitor é sistematicamente enganado e manipulado principalmente através do poder da mídia; sendo levado a crer nestes candidatos, seja pelo interesse pessoal e pelo favorecimento, seja pela exploração de sua própria ambição, é bem verdade que isso acaba culminando com a venda da sua cidadania.
Mas e o Estado? Não é ele que tem o poder da fiscalização e o da tutela? Através de suas instituições não deveria combater esses abusos? Estariam essas instituições impregnadas com interesses particulares decorrentes da ocupação de cargos e apadrinhamentos?
De nada valem os impostos pagos, aja visto as dezenas de faixas que vemos em agradecimento pelos serviços públicos essenciais executados, como asfalto, luz, limpeza, poda de árvores e benfeitorias. Não é exatamente para isso que pagamos, ou eles têm destino difuso? Talvez o retorno para as mãos sujas de grupos que se organizam no intuito de enriquecer com o dinheiro público. E o pior é que quando se tem ação efetiva de término de poder em determinada área sob domínio da milícia, por exemplo, o Estado não provém os serviços, ficando o povo a mingua, restando então a saudade daquela outrora exploração que contudo apresentava algum serviço. Verificamos assim, com pesar, frustração e profunda tristeza que a tão sonhada democracia conquistada a duras penas acaba sendo sufocada por grupos espúrios que corroem o Estado e hipocritamente se apresentam como substitutos e salvadores desse Estado.
Afinal, de quem é a responsabilidade pela administração do Estado? Do povo, ou dos poderes constituídos? E estabelecido isso, a quem devemos recorrer no caso da incapacidade e ineficiência dos responsáveis?
Fábio Domingos da Costa ** – Agente de Polícia Federal
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