Por José Luiz Ratton*
Para entender a violência, o crime e a insegurança no Brasil e as respostas públicas que teremos que construir para lidar com tais problemas é necessário que algumas questões sejam postas:
1) Entre 1980 e 2010, mais de um milhão de pessoas foram assassinadas no Brasil. O número de homicídios em nosso país é maior do que o número de mortos em diversos conflitos armados em todo o mundo . A taxa de homicídios no Brasil tem se mantido elevada por muitos anos, com mais de 25 homicídios por grupo de 100.000 habitantes. Pode ser dito que o país tem experimentado uma situação de violência crônica nos últimos 30 anos.
2) A maior parte das pessoas assassinadas é composta de homens jovens e pobres e negros. A maior parte dos agressores tem o mesmo perfil.
3) Cerca de 10% das vítimas de homicídio são do sexo feminino. Tal percentual faz do Brasil um país muito perigoso para as mulheres. A maioria dos homicídios femininos ainda ocorre em situações domésticas, mas a expansão dos mercados de drogas tem produzido um número crescente de mortes de mulheres que, dentro destes espaços, vivenciam uma vulnerabilidade muito maior do que a dos homens .
4) Deve-se notar que a categoria de homicídio é um rótulo para diferentes tipos de processos sociais, os quais incluem: lutas territoriais entre grupos de jovens envolvidos em atividades criminosas armadas, assassinatos relacionados com a dinâmica dos mercados de drogas, grupos de extermínio, as mortes causadas pela polícia, violência doméstica etc.
5) O Brasil é um país que viveu um processos bastante intenso de urbanização, nos últimos 40 anos. O fenômeno das mortes violentas ocorre principalmente em contextos urbanos, associados à expansão do mercado de drogas, à enorme disponibilidade de armas de fogo, à existência de padrões de resolução de conflitos pessoais orientados por valores como reputação, honra, hipermasculinidade e pelo surgimento de um padrão de sociabilidade violenta, que é relativamente autônomo das condições sociais que provavelmente o originaram. Some-se a isso a incapacidade crônica do Estado, em seus diferentes níveis (Executivo, Judiciário, Legislativo) para lidar com os mencionados fenômenos.
6) A violência nas áreas rurais, que está relacionada de diferentes maneiras à disputa por terra, permanence como enorme problema social, especialmente no norte, centro-oeste e nordeste do país.
7) A Polícia Militar brasileira é uma das polícias mais violentas e também uma das mais letais em todo o mundo.
8) Os indicadores sociais relativos à redução da pobreza tem melhorado bastante no país nos últimos 15 anos. Mas deve ser observado que este avanço não teve nenhum efeito na redução da violência.
9) Tendo em vista este contexto, uma pergunta deve ser feita. O que tem sido feito em termos de políticas de redução da violência, do crime e da insegurança no Brasil? E o que tem feito o Governo Federal?
10) Na verdade, muito pouco. O Governo Federal vem atuando de forma muito tímida nesta área e não possui uma estratégia clara para lidar com o problema da criminalidade violenta. Por outro lado, os municípios quase não se envolvem na construção de políticas públicas de prevenção da violência e a resposta da maioria dos governos estaduais vem sendo convencional, insuficiente e ineficiente.
11) O problema dos homicídios é certamente uma das três questões públicas mais importantes do Brasil hoje. É urgente que esta questão seja colocada no centro da agenda política brasileira.
12) Alguns desafios importantes para a construção de políticas públicas para a redução dos homicídios e da violência em geral no Brasil são:
a) como colocá-la no centro da agenda pública brasileira;
b) como estabelecer mecanismos de governança e de coordenação política eficazes nesta área das políticas públicas ;
c) como lidar com o problema dos homicídios sem reduzi-lo a uma questão de polícia, por um lado, e sem acreditar que teremos um país mais seguro e menos violento como mera consequência da redução das desigualdades sociais, por outro;
d) como reformar a polícia brasileira, controlá-la e pacificá-la?
Esta não é uma agenda fácil. Contudo, três pontos de partida me parecem fundamentais neste momento:
1) o Governo Federal precisa se envolver de forma real e consistente na coordenação das ações de Segurança Pública no país. Não há possibilidade de transformação do atual cenário sem a participação do governo federal na alocação de recursos de forma sistemática, na área de Segurança Pública. Isto implica, em um segundo momento, também urgente, na construção de um mecanismo sistemático de atribuição de responsabilidades claras à União, aos Estados e aos Municípios e um fluxo permanente de recursos, como ocorre em outras áreas de Políticas Públicas no Brasil.
2) Não é possível que um país com mais de 50.000 homicídios por ano não tenha um Plano (ou uma estratégia) Nacional de Redução de Homicídios. O ponto substantivo e a meta de qualquer programa de segurança pública no Brasil deve ser a redução de homicídios. Sem a garantia do direito à vida, não haverá convivência pacífica e civilizada no país.
3) Finalmente, não pode ser adiada a reforma do atual modelo policial, que se mostra absolutamente incapaz de lidar com as complexidades e com a gravidade da questão da segurança em nosso país. As polícias brasileiras pouco se modernizaram no período que se segue à redemocratização e sem a transformação das polícias, pouco podermos avançar.
A agenda da segurança pública é muito maior e mais complexa do que os pontos ora elencados. Todavia, para começar o debate, as três questões acima listadas me parecem essenciais
*José Luiz Ratton é professor e pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco. Título original do ensaio: "Algumas considerações sobre crime e violência no Brasil e três pontos fundamentais para a construção de uma Política Pública de Segurança". Texto redigido exclusivamente para a Roda de Conversa sobre Segurança do IDS.
Publicado originalmente no Diário de Pernambuco.
http://www.idsintranet.com.br/pages/viewpage.action?pageId=21266594